Era uma vez um pequeno príncipe que caiu na terra dos homens por pura reação em cadeia.
Seus olhos, cabelos, são sombras e melancolia. Seu coração, uma pedra de gelo. Todos sentiam seu frio de longe e o responsabilizavam pelos invernos rigorosos e as tempestades de granizo. A desgraça, sua aliada.
Deparou certo dia, com a raposa e como era indiferente aos filhos desse reino, parou por simples curiosidade.
A raposa se esgueirava, mas sua natureza contraditória confundiu o príncipe com uma galinha... ou seria um caçador?
Sentiu necessidade de devorá-lo e ao mesmo tempo fugir já que sua lida era devorar galinhas ou correr de caçadores.
Como os dois eram arredios, a raposa sugeriu a contemplação: ficaram se olhando, por muito tempo e viram seus antagonismos tão fortes como oposição quanto como semelhança.
Uma harmonia que vinha não se sabe da onde.
A raposa, nas suas sensações anacrônicas, ás vezes sentia um desejo de arrancar com as próprias mãos, o coração do príncipe e lamber o seu sangue ou água; ás vezes sentia um desejo de presenteá-lo com coisas fúteis. Mas tal, não entendia de presentes nem de desejos, só de “crueldades”. Criatura estranha essa raposa e sua memória de sensações...
Criatura estranha essa...pensava a raposa...morava, dizia, numa torre muito alta, cor de chumbo, fria e escura. Tinha sempre ao pescoço, um cachecol de chumbo, quase a tocar o chão, de tão comprido.
Por onde andava, a passear em volta da torre, as nuvens encobriam o sol do meio dia.
A raposa nos campos de trigo amarelecidos pelo sol espreitava seus gestos indefinidos:
- Será uma galinha ou um caçador? Mas como não era dona nem do tempo e nem do espaço e muito menos de si, ficava só apreciando.
O príncipe olhou com mais atenção o que nunca vira antes. Seus desejos “cruéis” não eram por determinação da natureza, mas porque virou a sua fábula...E conta, conta e conta essa utopia como a mais pura verdade.
E ao conversar com a raposa, mostra a inutilidade de ser raposa. Esta, compreende, pois sabe que de útil no mundo, há somente as galinhas, que devora.
Enquanto para o príncipe, útil seria cair nos abismos e retornar ao seu habitat original.
Relembra sua origem, seu lugar e se tivesse sentimento, até choraria de saudade.
A raposa quer mostrar os campos de trigo que amarelecem ao sol, seu habitat natural. Quer mostrar a beleza do amarelo, do vermelho e do azul e o resultado de suas misturas...
Mas o príncipe mostra como os abismos são mais reais que meros campos de trigo amarelecidos pelo sol. Os abismos são mais consistentes, concretos e sem nenhum “milagre”.
A raposa não consegue ver tudo isso, da mesma forma. Sua mente simbólica é feita de pura sensação. As imagens brotam espontâneas.
Mas, quer compreender os abismos.
O príncipe é mais realista, calcula tudo, até sua morte no veneno da serpente.
E o que os dois tem em comum?
A inocência e a esperteza se alternando o tempo todo?
Os dois, desconhecem os mistérios insondáveis.
“Quando encontramos as pessoas, elas nadam significam. Mas, ao cativá-las, tornamo-nos responsáveis, dizia a raposa ao menino de cabelos louros e encaracolados como os campos de trigo. E o menino ficou a pensar... E a raposa ficou a pensar. A reflexão é simbólica em certos momentos intensos...”
ELIZABETH